São
Paulo, 19 de dezembro de 2010
Desde o
dia do encontro com o Moacir, Clara vem se mostrando muito diferente.
É como se algo a tivesse irritado profundamente. Pensei que ela já
soubesse de sua origem afinal de contas foi ela mesma quem mencionou
o nome de Lilith pela primeira vez. Disse inclusive, ter feito várias
buscas e pesquisas. Então porque esse comportamento? Estou
começando a achar que alguma coisa não bate nisso tudo. Um espelho
se quebrou e a imagem que vejo agora é muito diferente da que eu
cultivei por algum tempo.
Mesmo
agora, ela não está, saiu sem sequer me avisar. Já não quer minha
companhia e, sinceramente, agradeço por isso. Também tenho preferido
estar sozinho, buscando minha própria forma e essência, minha
existência não pode ser apenas o acordar, caçar e voltar a dormir
para, no dia seguinte, repetir a mesma coisa. Que importa estar no
tal “topo da cadeia alimentar” se tudo se resume a isso: caçar.
Resolvi
que vou procurar pelos outros e que se danem todas as recomendações
de não fazê-lo. Porque me esconder? Não sou um rato para ficar me
esgueirando pelos becos, isso é ridículo.
Ontem,
quando saí para me alimentar, senti que me observavam, pude
identificar uma presença poderosa mas não consegui encontrar a
pessoa. Não imaginam como é frustrante ter habilidades e não saber
como usa-las. Ter um “mestre” e não receber dele nada mais do
que dicas de como alimentar-se melhor e quais os tipos de sangue mais
agradáveis.
Tenho
feito algumas descobertas interessantes, comprovando que algumas
lendas, de fato, tem sentido. Descobri que, mesmo tendo um estômago
morto, eu posso me alimentar para dar à minha interpretação de
vida um tom mais convincente. A comida em si não tem gosto nenhum,
perdemos o paladar, meu organismo não está totalmente morto. Não entrei em necrose, meus órgãos ainda funcionam mas de uma foma
muito mais lenta. É como se eu tivesse me transformado, do dia para
a noite, em um hindu com técnicas de catatonia avançada.
Um outro
ponto que anda me incomodando bastante. Não estou a fim de passar o
resto da eternidade neste Mausoléu. Vendo o apartamento do Moa,
senti vontade de ter um lugar mais confortável para viver. Sinto
falta do meu computador, do meu console, dos meus jogos e dos meus
livros. Não acho que para ser um vampiro eu tenha que abdicar destes
prazeres. Decidi que vou
procurar um outro lugar. Se a Clara quiser vir, ótimo, se não
quiser, terei de ir sozinho.
Engraçado
como as coisas mudam em tão pouco tempo. Outro dia mesmo, eu era
apenas um cara apaixonado, capaz de fazer qualquer coisa pela mulher
dos meus sonhos..mas isso me parece algo muito distante agora. Acho
que nossos sentimentos mudam um bocado depois da transformação.
Como se a trava do “politicamente correto” ou do comodismo já
não existissem mais. Vampiros são humanos sem máscaras sociais,
apesar de usarmos muitas de acordo com nossa conveniência.
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