terça-feira, 21 de abril de 2015

Explicações interessantes





São Paulo, 10 de dezembro de 2010


- Clara me responde uma pergunta? - Estávamos debruçados sobre o peitoral da ponte Condessa de São Joaquim, olhando os carros lá embaixo.
- Pergunte, se eu souber e puder, terá a resposta. - ela virou-se para mim, cruzou os braços diante do corpo e ficou esperando minha pergunta.
- Então...tipo....antes de mim houve outro? Quero dizer..você criou algum vampiro antes?
- Não..na verdade até você aparecer eu nunca tinha pensado em criar alguém, nem sabia que tinha essa capacidade. 
- Ué..vampiros não podem criar outros? 
- Nem todos, alguns jamais chegam a criar. 
- Mas como isso acontece? 
- Olha..a única coisa que sei é que isso tem a ver com o lance de pureza. No RPG chamam de geração. 
- Mas você disse para eu esquecer a história do RPG lembra? 
- Lembro, mas é o mais perto que se chega de uma explicação razoável,oras. Não sou expert no assunto, sei apenas o básico. Lembra que não tive quem me explicasse nada? 
- É..eu sei. Mas me diz..existe alguém que saiba? 
- Sim..lembra o dia em que eu disse que iriamos visitar uma pessoa e acabamos não indo? Pois é..eu iria leva-lo até a casa deste cara..ele conhece muita coisa, poderia te dar uma aula sobre "história vampírica" - o comentário foi sarcástico. . 
- Você está sendo irônica e não gosto disso. Não tenho culpa se não se importa com nada a não ser se alimentar, noite após noite, tudo sempre igual. Eu quero mais..quero saber o motivo disso tudo. Sou apenas um cara doente? Isso é metafísico? Sou o que, um ET? 
- Ei...pode parar. Se eu não me importasse não teria gasto a merda do meu tempo procurando respostas para saber que tipo de “coisa” eu sou, não me acuse de ser relapsa, eu apenas me cansei de procurar. Outra dessas e te largo por conta e risco entendeu? Não estou aqui para tolerar desaforo seu ou de qualquer outra pessoa, você não sabe de nada e julga ser merecedor de muita coisa. Se coloque em seu lugar. - Isso tudo veio acompanhado de uma explosão de raiva..os dentes de Clara ficaram proeminentes e juro que pensei que ela fosse me atacar. 
- Calma..calma..não quis te ofender. Onde é a casa do tal cara? Que cemitério? 
- Ele não mora em cemitério, tem seu próprio apartamento. 
- Pensei que todos os vampiros morassem em cemitérios. 
- Se morássemos todos em cemitérios, não haveria lugar para tante gente né? - - As vezes você é tão inteligente..e ás vezes tem cada raciocínio retardado Henrique. 
Ponto para ela..eu realmente tinha tido um raciocínio de ostra em estado de coma. Nunca tinha visto outro de nossa espécie em nosso cemitério. Que conclusão mais estúpida a minha. Fiquei envergonhado e ela percebeu.
-Tudo bem..eu também já paguei micos como esse, mas pense um pouco antes de sair falando asneiras tá? Vamos..ele não mora muito longe daqui.
O “não muito longe” na verdade era longe sim...o centro de São Paulo é imenso e mesmo sendo vampiro gasta-se sola até chegar na Barra Funda.
Avenida Angélica..um prédio antigo, daqueles com um apartamento por andar, fachada imponente, o cara devia ser rico. Estranhamente, o porteiro nos deixou passar como se estivesse nos esperando.
- Ei..ele não deveria ter peguntado quem somos e onde vamos?
- Já estávamos sendo aguardados.
- Hein? Como assim? Não vi você telefonando para ninguém...
- Dãããã...- e ela fez um gesto de sorvete sendo esmagado na testa - comunicação telepática..um dia quem sabe você aprende e se torna tao bom quanto eu.
Não era uma humilhação, mas me senti pequeno, um moleque de fraldas e não gostei nada disso. As vezes ela podia ser cruel, mas isso eu também aprendi a ser com o tempo.
Depois de passar pelo porteiro, entramos no hall dos elevadores. Realmente o lugar era de gente com grana. Conhecia bem esses lugares..eu mesmo não tinha vindo de um? Nesse instante me veio a mente a figura do meu irmão. Como ele estaria? Pensaria em mim?
Elevador antigo, desses que ainda tem alavanca. Me senti um ator em um filme do Alfred Hitchcock. Tudo muito “chic”, tudo muito londrino.
O elevador parou diante da porta de entrada. Esses prédios com um apartamento por andar são bem interessantes, se você gosta de arquitetura deveria visitar um qualquer dia desses. Este prédio em especial, tem até gárgulas na faixada, é sinistro. Nem precisamos tocar a campainha..a porta logo se abriu e dei de cara com um senhor, que ao meu ver, era a mais perfeita expressão da frescura britânica. Alto, magro, vestido com um robe de cetim preto, carrregando um cachimbo que cheirava a chocolate, um óculos aro de tartaruga e, pasmem, ele usava pantufas.Quem em pleno século XXI ainda usa pantufas? Ok..minha tia usa pantufas mas ela morreu e esqueceu de deitar há pelo menos uns 50 anos atrás.
-Boa noite Clara, vejo que trouxe seu amigo, como vai ? - estendeu-me a mão em cumprimento, dedos longos e unhas enormes. Se eu fosse vivo esta seria a hora de sair correndo. - Entrem..entrem, sejam bem vindos. Fiquem à vontade.
Não gostei dele, na verdade até que gostei, mas Moacir, este era seu nome, me causava calafrios. Talvez fosse a voz de barítono, talvez o porte tão meticulosamente saxônico..talvez fosse a idade, não sei ao certo, mas sempre fiquei com os dois pés bem atrás com aquela figura. Nunca o chamaria de amigo, jamais.
A sala faria inveja ao colecionador mais ávido. Repleta de obras de arte. Desde Rimbaud a Van Gogh, prateleiras e mais prateleiras de livros, todos muito bem conservados. Sofás que deixariam antiquarios morrendo de inveja. Sentei em um deles e afundei. Ah..como era bom o conforto. Anotei mentalmente que eu e Clara deveríamos ter uma casa como aquela.
- Em que posso ser útil jovens? - Já disse que a voz dele me incomodava?- Moacir estava sentando diante de nós, com pose de psicanalista, fumando seu cachimbo enquanto nos esquadrinhava com os profundos olhos azuis.
- O Henrique quer saber um pouco mais sobre a origem dos vampiros – Clara começou a dizer e notei que até mesmo ela, sentia-se pouco a vontade diante daquele homem. 
- Ah sim...a origem. Todos temos esta necessidade uma hora ou outra não é? Temos de ter um ponto de partida, do contrário nos sentimos tão pequenos, tão desprezíveis..meros sacos de estrume jogados em um mundo nada acolhedor. 
Ele estava filosofando? Não queria filosofia..queria fatos. Me mexi na cadeira..sentindo-me desconfortável.
- Veja bem jovem, não existe uma verdade sequer que seja, de fato, absoluta, até mesmo as ciências exatas não são tão exatas assim, a matemática teórica está aí para provar isso. Não existe um ponto de partida que seja provado, trabalhamos com suposições, assim como os humanos também o fazem. Existem muitas teorias sobre a existência dos vampiros..porém, particularmente, creio em uma que parece ser a mais plausível. Já ouviu falar na civilização Suméria, pressuponho..
O homem estava me subestimando e isso era claro. Lógico que conhecia história antiga, tá certo que não a fundo, mas o basicão eu sabia, tinha frequentado um bom colégio afinal de contas.
- Hum hum...conheço sim senhor.- resolvi então que a humildade seria melhor para lidar com ele. Quem não gosta de ter o ego afagado? E o dele parecia ser maior que o Morumbi.
- Então..se conhece esta maravilhosa civilização, já deve ter ouvido falar no épico chamado Gilgamesh.. 
Gilgamesh..Gilgamesh..já tinha ouvido falar sim..mas só o nome..nem sabia do que se tratava.
- S- Sinto muito, mas não tenho conhecimento profundo sobre a Suméria, estudei civilizações antigas no colégio e foi somente isso.
Ah..preciso dizer que o velho “cresceu”? Ele estava em seu território e nós éramos seus aprendizes, tomou ares de Merlin e começou sua aula.
- Pois bem meus queridos, a Suméria foi uma das primeiras civilizações isto se não tiver sido, de fato, a primeira. Muitos dizem que os Chineses já existiam, mas não existe comprovação histórica ou cientifica sobre isso. Eles acreditavam que seus deuses, os Anunnakis, tinham vindo de outro planeta. Um lugar chamado Nibiru. Zecharia Stchin escreveu excelentes livros sobre isso, se quiserem podem levar os meus emprestados, desde que os devolvam intactos. Não irei me alongar em explicações, isso vocês encontrarão nos livros. Mas a teoria em que acredito, baseia-se no fato de que estes Anunnakis teriam feito experiências científicas, cruzando seu próprio DNA com a raça humana existente na época. Muitos dizem que teriam até mesmo criado os humanos, mas isso eu questiono. Todos eles, doaram o DNA para experiência, mas cito em especial Enki, Enlil, Eriskghall e Inanna.
Eu ouvia atentamente a explicação dada pelo velho. Sim..era ao menos coerente.
- E não foram apenas os Anunakkis a fazerem experiências por aqui, jovens. Muitas outras civilizações adiantadíssimas fizeram o mesmo. Somos muito mais do que derivações de barro ou costelas..somos até mais do que simples poeira de estrelas. Acredito, que nós vampiros, sejamos fruto do resultado de alguma experiência Anunnaki.
- Mas porque os Anunnaki em específico? Porque não os marcianos, jupterianos, plutonianos? 
- Porque dentre os Anunnakis, existiam duas mulheres que tinham as mesmas características que temos hoje jovem. Alimentavam-se de sangue e outros fluidos vitais. Uma delas era chamada de Eriskghall. Nos livros de mitologia ficou conhecida como a deusa do submundo e da magia e a outra era Inanna..depois chamada de Lilith. 
Ah..vocês deveriam poder ver a minha cara naquele momento. Lilith!! Ela...a tal mulher que criava vampiros através do sonho. A possível “mãe” de Clara! Finalmente uma luzinha no final do túnel.
Afundei mais ainda no sofá. Super empolgado com a história, até me esqueci que Clara também ouvia tudo..
- Fale-me mais sobre essa tal Lilith.
- Lilith, na verdade é uma incógnita. Depois do exílio babilônico, os hebreus se apoderaram de sua lenda e a transformaram em um demônio. A primeira mulher de Adão..a que não se deixou dominar e como punição foi banida para o deserto, onde consorciou-se com Samael. Mesmo neste ponto, Lilith passa a ser considerada como a mãe das abominações. Diziam que não gostava de crianças, que as matava, outros atribuíam a Lilith a proteção às mulheres e aos partos, mas o fato é que ela pode ser a origem real de nossa raça, bem como Eriskghall. 
- Pensei que tudo isso não passasse de lendas..mitologia, contos para crianças – falei para mim mesmo mas é claro que Moacir escutou. 
- No caso dos Anunnakis há muito mais do que simples lendas. Existem as tábuas que foram decifradas onde indícios de sua passagem pela terra são verídicos. Mas o que temos, como já disse anteriormente, são meras suposições de fatos, não vi ninguém, até hoje que comprovasse tudo isso de forma eficaz. 
Eu iria contar a história de Clara, mas percebi, pelo olhar que ela me lançou que era melhor ficar quieto. 
Não nos demoramos muito no apartamento do velho, na verdade, dei graças aos céus por sair de lá. Ia começar a falar quando ela, fez um gesto brusco, demonstrando que não queria conversa. O caminho de volta foi feito em silêncio.Um silêncio opressivo. O nome de Lilith não me saia da cabeça e senti que isso iria me acompanhar por um bom tempo ainda.

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