segunda-feira, 20 de abril de 2015

Incríveis descobertas


São Paulo, 26 de novembro de 2010

Clara e eu gostávamos de passar horas olhando para o céu, discutindo astronomia ou simplesmente olhando as estrelas. Tínhamos nossos lugares preferidos e um deles era o Parque do Ibirapuera. Era divertido driblar a segurança e testar nossos poderes. Um deles, particularmente interessante, era ficar “invisível”. Na verdade não é bem invisibilidade mas a capacidade de não se fazer notar. Com a manipulação correta de energia, as pessoas não percebem nossa presença e isso vem bem a calhar em algumas circunstâncias.
Naquela noite em especial, depois de uma ida ao “Self Service”, não tínhamos nada a fazer a não ser deitar na grama e conversar. Foi então que me passou uma pergunta pela cabeça..uma pergunta que eu pensei em fazer antes mas tantas coisas aconteceram e deixei passar a oportunidade.
             - Me diz uma coisa..quem eram as outras mulheres que estavam com você naquele dia? Porque nunca mais as vi?
             - Ah..aquelas?..ela se virou e sustentou o rosto com as mãos – Então..eram minhas amigas, mas depois que você chegou, não tinha mais motivo para ficarem ali entende? Achei que precisaríamos de mais privacidade.
             - Hmmmm..entendo. Mas para onde foram? Quem são?
             - Porque tanta curiosidade? Está se cansando de mim? Ou pretende fazer alguma espécie de senso vampírico?
             - Engraçadinha. Não não pretendo ser agente do IBGE nessa altura do campeonato. É que fiquei pensando se existem outros como nós e onde estão. Eu nunca vi nenhum outro vampiro em       nossas andanças. Somos apenas eu e você agora? Uma espécie de Adão e Eva?
              - Na verdade, existem muitos de nós. É claro que sempre existe um determinado controle porque, do contrário, nos tornariamos muito visíveis e isso não é bom. Digamos que em uma cidade como a de São Paulo, exista um vampiro para cada 1.000 habitantes.
              - Caramba, tudo isso? E onde estão que nunca “cruzei” com nenhum deles?
           -   Ah..isso é porque existem territórios. Como somos predadores, cada um possui um território de caça entende? Faz parte das regras?
           -  Regras? Existem regras para vampiros? Tipo uma espécie de código?
           -  Hum hum..existem sim. Regras bem definidas na verdade. Invadir o território de outro vampiro seria o mesmo que declarar guerra ao tráfico da favela, tendo apenas um estilingue como arma.
           -  Sério? Me conta mais sobre isso e sobre a “sociedade dos vampiros”.
           -  Bom..na verdade não tem muito para contar. Não sabemos por exemplo, quem foi o primeiro e antes que você me venha falando dos filmes ou livros eu digo para você esquecer. Não foi Caim o primeiro vampiro e não existe nenhum livro de NOD – Clara riu da minha cara de decepção.
         -  Mas então, qual o sentido disso tudo? O que somos? Para que estamos aqui e para onde vamos?
             - Ah..senhor filosofia...são perguntas que os humanos fazem desde o principio dos tempos e nunca obtiveram nenhuma resposta convincente. Fique contente em saber apenas que está no topo da cadeia alimentar..seja isso uma benção ou uma maldição. Na verdade a forma como você vive é que define a resposta.
             - Certo...mas se existem tantos vampiros assim e existem os territórios..quem os define? Existe algum governo de vampiros?
             - Olha...a única coisa que eu sei neste sentido é que existem os vampiros bem velhos e são eles quem determinam quem fica onde e até que ponto podem ir. Conforme você vai ficando “mais velho” começa a ser convidado para algumas reuniões, começa a conhecer outros vampiros e vai ampliando seu “círculo” social. No meu caso, ainda não fui convidada para nenhum evento. As minhas “amigas” estavam ao meu lado por ordem da minha criadora.

             - Criadora? Não foi um homem que te criou?
             - Olha o machismo Henrique!! Olha o machismo! Porque um homem teria que ter me criado? Porque não uma mulher?
           - Porque não imagino você sendo seduzida por uma mulher, apesar de que esta hipótese é muito sexy.

               - Ah..seu pervertido!!
               - Bom..minha criadora é uma mulher..mas não fui criada como você. Comigo foi diferente. Existem alguns vampiros que criam suas proles através de rituais e não de mordidas. Estes são raros e considerados muito perigosos.
                - Verdade? Me conta..como você “nasceu”?
Clara sentou-se ao meu lado, abraçou os joelhos e olhou para o horizonte, como se a vasculhas suas memórias.
             -  Não me lembro de tudo Existem algumas coisas que acabam se apagando com o tempo. Mas lembro que tudo começou com sonhos. Eu sonhava todas as noites com uma mulher. Ela era linda, sempre me tratava com muito carinho e dizia que tinha planos para mim. Eu tinha 17 anos quando tudo começou. Meu pai era fazendeiro, plantava café, tínhamos uma linda fazenda e uma casa na Avenida Paulista. Tudo era muito diferente do que é agora, a cidade, as pessoas. Meus pais eram considerados como pessoas “á frente do seu tempo”. Nunca me impuseram casamento, fizeram questão que eu estudasse, me incentivavam a adquirir conhecimento. Minha mãe não era brasileira..era romena. Diziam que era cigana e que largou seu povo por causa do meu pai. Alguns diziam que éramos uma família amaldiçoada por causa disso, mas nunca me importei. Os sonhos foram se repetindo. Eram muito reais..porque eu sempre acordava cansada das festas que a tal mulher me levava. Nos meus sonhos eu ia a lugares fantásticos..conheci muita gente..me lembro que conversava muito mas não me lembro sobre o que.
           - Você contava isso aos seus pais?
           - Tentei falar com a minha mãe uma vez, mas ela não quis ouvir. Ficou assustada e me disse para esquecer os sonhos. Como se isso fosse possível.
            - Por quanto tempo isso aconteceu?
            - Não me lembro,.só sei que por causa dos sonhos fui ficando fraca..chegou um momento que não consegui me levantar mais..passei um ano assim. Meu pai mandou buscar médicos até no exterior mas,nenhum deles conseguiu descobrir o que eu tinha. Diziam que era uma espécie de anemia..tentaram transfusão de sangue mas não adiantou. Então em um belo dia..eu não acordei.
            - Como assim não acordou? Entrou em coma? Morreu?
            - Não sei Henrique..eu escutava tudo,mas não conseguia me mexer, não conseguia falar...foi horrível. Me desesperei...vi meus pais chorando...vi chegar o caixão...vi a tampa sendo lacrada e senti que jogavam terra sobre mim..tentei gritar..tentei, sair dali..rezei, implorei, briguei com deus...mas de nada adiantou..então fechei os olhos e esperei.
            - Esperou o que?
            - Não sei...esperei que algo acontecesse..nem sonhar eu podia..chamei então por ela..a mulher dos meus sonhos.
            - Qual o nome dela?
            - Ela nunca me disse o nome...nunca.
            - Mas então como a chamou?
            - Sei lá Henrique..não me lembro..só me lembro de que a chamei..em pensamento, em oração..não sei dizer ao certo.
            - Imagino o seu desespero. Eu que tive um “nascimento” normal já me desesperei..você então..
            - Ah...me desesperei sim..muito, depois veio o esquecimento. Não sei o tempo que passou, sei apenas que pedi para morrer e logo surgiu o vazio. Uma escuridão imensa..nem pensar eu podia mais e então eu acordei.
            - Como? Onde?
            - No começo eu achei que era mais um sonho, mas então me lembrei de tudo. Estava em um lugar muito estranho..uma espécie de caverna..não sei dizer ao certo, mas ela estava lá. Não me deu nenhuma explicação..disse apenas que tinha planos para mim, que eu era bem vinda.Apresentou-me as mulheres que você conheceu, disse que cuidariam de mim. Disse que me ensinariam tudo o que eu precisava saber e que, quando eu estivesse pronta ela voltaria. Depois disso nunca mais a vi. Perguntei às minhas “amigas” quem era ela mas não me responderam.
             - Então a tal mulher te criou assim...e te abandonou? Que tipo de vampiro é esse que não morde pescoços mas mata?
             - Levei muito tempo pesquisando isso..consegui algumas pistas mas sabe como é..nenhum livro é totalmente confiável...as lendas falam de seres assim...nunca foram humanos.
             - Hein??!!! Mas então como você morde? Não deveria ser igual ela?
             - É..isso eu nunca entendi.
             - Tem alguma pista do nome dela ao menos?
             - Sim tenho..mas é fantástico demais para que eu mesma acredite nisso..
Clara suspirou desanimada. Eu não tinha ideia da sua história. Para mim Clara era uma vampira como eu. Alguém tinha mordido seu pescoço por achar que ela era interessante, ou achar que seria divertido..ou achar que seria uma boa companhia..sei lá...mas nunca poderia imaginar que ela teria sido criada de uma forma diferente.
              - Me diz o nome que você acha que é o dela?
              - Não..você vai achar que estou louca.
              - Ahhhh para...eu não duvido de mais nada nesta vida.Lembra que até o mês passado eu era um cara louco que visitava seu túmulo e achava que você era a mulher mais incrível do mundo?
Clara sorriu, mas foi o sorriso mais triste de que me lembro de ter visto. Naquele momento ela era apenas uma menina. Uma menina cheia de dúvidas, despida de sua natural arrogância e segurança. Não me contive e a abracei..ninando-a como se faz com uma criança que tem medo do escuro.
Ela estava chorando? Que lágrimas eram aquelas? Lagrimas de sangue...que escorriam pelo rosto de Clara..deixando um caminho vermelho...Fiquei triste por ela.Queria apagar tudo..queria que tudo fosse apenas um sonho e que ela pudesse acordar. Me revoltei. Porque fizeram aquilo? Porque abandonaram aquela criança? Ficamos abraçados por um tempo..até que ela recuperasse o controle.
Clara limpou as lágrimas, voltou a ser o que era, ou o que os outros pensavam que fosse e retomou sua costumeira postura.
               - Pelas minhas pesquisas..somente um ser é capaz de fazer isso...um ser muito antigo, do qual muitos duvidam da existência, inclusive os vampiros mais esclarecidos. Alguns, porém, a chamam de mãe, outros de rainha, outros de senhora e todos as conhecem por Lilith.
Arregalei os olhos – Lilith????!!!! Aquela Lilith da bíblia? A primeira mulher de Adão?
               - Não Henrique...Lilith..a noturna, a deusa suméria.
               - Ahhh....tá...não faz sentido nenhum pra mim..eu juro.
               - Nem para mim..mas foi onde minhas pesquisas me levaram. Mas olha..isso não importa, eu sou o que sou..e isso já faz tanto tempo..nem sei porque estamos perdendo tempo com esse assunto. O que me diz de irmos para casa? Logo vai amanhecer e não seria uma boa ideia ficarmos por aqui..você sabe..o sol não queima mas ficar fraco não é algo que me agrada.
Ela se levantou..pegou minha mão e fomos para nossa casa. Mas a história de Lilith não me saiu da cabeça.
               - Amanhã vamos em um lugar diferente..quero que você conheça uma pessoa.
               - Quem?
               - Amanhã você verá, vamos..está tarde, ou cedo...tudo é uma questão de perspectiva.
Me calei...Clara tinha dado o assunto por encerrado,mas eu não me daria por satisfeito assim tão facilmente. Quem era a mulher que criava vampiros através de sonhos? Eu iria descobrir ou não me chamava Henrique.



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