terça-feira, 21 de abril de 2015

Mama I'm Coming Home



São Paulo, 25 de dezembro de 2010


Ainda bem que vampiros despejados não tem muita coisa para carregar. Na verdade eu não tinha nada mesmo..a não ser minha jaqueta. Tinha deixado tudo para trás..minha casa, meus livros e, principalmente meu irmão. Havia dias em que o pensamento no meu irmão vinha me incomodando. Como ele estaria? Decidi procura-lo, talvez até pegar algumas coisas minhas, meus pais, só para variar, deveriam estar viajando, não haveria problema. O único problema seria explicar ao Yuri que o irmão dele agora era um vampiro.
Não daria para ir a pé até Alphaville, seria uma caminhada e tanto e mesmo não me cansando, gastaria muito tempo. Pegar um ônibus? Não..fora de cogitação, iria demorar do mesmo jeito. Um táxi então? E pagar com o que? Eu não sabia o que era ter grana mais...tinha até me esquecido que dinheiro era algo necessário, mesmo para um vampiro. Naquele momento percebi que tinha levado, até então, uma vida de sem teto, de mendigo..como um rato de beco me alimentando apenas de sobras que ninguém mais queria. Não..não era isso que eu queria para mim. Nunca me importei com dinheiro, nunca me importei com status, mas também não levaria minha eternidade como um João Ninguém.
Novamente pelos lados da Praça da República e pensando em como chegar em Alphaville, foi quando a vi ali..parada, linda! Setecentos e cinquenta cilindradas de pura beleza! Porque não toma-la emprestada? Como disse anteriormente, valores morais, ficam para trás quando se tem uma eternidade pela frente.
Ok..pegar a moto. Mas como? Eu não tinha a mínima ideia de como fazer aquilo, nunca aprendi a técnica de ligação direta. Resolvi tentar..quem sabe teria herdado algum “combo” de habilidades, nunca se sabe não é mesmo? Tanta coisa louca tinha acontecido em tão pouco tempo que não duvidava de mais nada.
Outro ponto seria não chamar a atenção. Praça da República não é o lugar mais tranquilo do mundo, ainda mais naquele horário. Me aproximei da moto e fiquei ali..olhando..olhando..com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança.
 -Ei cara..tá olhando o que? Perdeu alguma coisa por aqui? - Era um PM e gelei (um pouco mais). Nunca tinha me dado muito bem com os tais ratos fardados. Já tinha levado muito enquadro e levado nome de vagabundo. Mas tinha uma arma mágica – O nome do meu pai! Isso..o maldito nome e sobrenome do meu pai..isso resolveria tudo!!
- Na verdade – empostei a voz, tentando demonstrar segurança – perdi sim senhor – olhei para placa de identificação procurando o nome do dito cujo – Marcelo – esse era o nome. Perdi a chave da minha moto e agora temo que meu pai tenha de acionar o seguro.
- Ah claro..todo mundo perde chave de moto hoje em dia. Deixa de ser mané garoto. Mão pra cabeça. - Otimo..la vinha mais um enquadro, ainda bem que não tinha me livrado da minha carteira com os documentos. Fiquei ali..a imagem da inocência e passividade. Ele revirou o bolso da jaqueta, possivelmente à procura de drogas, e encontrou a maldita carteira. Procurou os documentos e voilá....as portas se abriram. Estampado no meu RG estava minha filiação..o nome do meu pai em letras maiúsculas!
Engraçado como o tratamento que recebemos varia de acordo com o status que ostentamos. Sempre tive nojo disso, mas naquela hora aprendi que isso vale ouro..muito mais que algumas notas de R$ 100,00. De um minuto para outro o pitt bull fardado, transformou-se em um poodle. Todo compreensão e civilidade.
- Me desculpe Senhor Henrique, mas sabe como é..tem um monte de ladrão de moto por aqui, só estava cumprindo minha obrigação – estava todo sem jeito, temendo, por certo, perder o emprego que lhe garantia uma existência de merda.
- Não tem problema soldado, eu entendo e até fico aliviado em ver um policial cumprindo seu dever com tanta competência, agora, por favor, poderia ajudar-me a resolver meu problema? Tenho que chegar em casa logo, senão perco o jantar na casa do Embaixador da Rússia e meu pai ficaria desapontado comigo. - Ah..a ótima representação do boyzinho nada a ver!
- Claro, claro..é pra já – e o PM fez a tal ligação direta na moto – jurei pra mim mesmo que iria devolve-la. Até então..lesar as pessoas não era algo que fazia parte do meu caráter.
Rapidamente, o motor da moto estava lá..roncando, eu acenando para o policial e agradecendo pelo fato de morar no Brasil..país onde nome vale mais do que documentos em determinados casos..ainda mais quando seu pai controla uma boa parte dos negócios desta gente. Saí dando gargalhadas, seria realmente muito fácil a partir do momento em que eu tinha aprendido mais alguns truques. Fiquei orgulhoso da minha performance e sequer me dei conta de que tinha dado mais um passo em direção ao meu verdadeiro despertar.
Cheguei rápido em Alphaville, mas agora era outra coisa. Parado defronte ao pórtico do condomínio onde morei minha vida toda, bateu a insegurança. E se o porteiro não me reconhecesse? E se meus pais estivessem em casa? E se o Yuri não estivesse? Merda!!! Porque as coisas não vinham com roteiro?
Bom..eu não poderia ficar ali parado o resto da vida, tinha que arriscar. Liguei a moto e me dirigi à portaria. Logo o funcionário veio saber de quem se tratava e, para minha surpresa
- Boa noite Henrique, faz tempo que não te vejo por aí..foi viajar?
Esqueci de mencionar que sempre fui o queridinho dos porteiros, o cara rico e gente boa, que os cumprimentava, levava lanche, dava presente de Natal..a antítese dos idiotas de Alphaville que tratam funcionários como lixo..com os malditos narizes sempre em pé..achando que são a “oitava maravilha do mundo”.
- É..fui viajar sim Marcos, cheguei hoje e estou louco pra tomar um banho..- sorri meio amarelado, morrendo de medo que ele percebesse minha palidez e roupas sujas.
- Ah..deve estar louco mesmo pra chegar em casa né? Teus pais viajaram..só o Yuri está lá, olha..leva essa correspondência? O Yuri esqueceu de pegar da ultima vez..
Peguei as cartas. Ele não tinha desconfiado de nada..então minha aparência não tinha mudado muito. Na verdade eu nunca tinha reparado em como havia ficado depois da transformação. Não tinha tido curiosidade de me olhar no espelho e não tinha visto ainda o que acontecera comigo.
Subi a rampa que levava à minha casa. Meus pais sempre foram excêntricos no que se relaciona à Arquitetura..e minha casa, longe das linhas modernas, era uma réplica de uma mansão típica da Lousiana. Sempre gostei daquela casa..toda pintada de branco..imponente, com vários “chorões” plantados no quintal..só faltava mesmo o lago com crocodilos. Tinha dado esse ideia para minha mãe mas ela apenas riu de mim.
Certo..cheguei..mas e agora? Entro..toco a campainha, chamo a empregada?
Vasculhando o bolso da jaqueta, encontrei a minha chave. Será que ainda funcionava? Lembrei que meu pai tinha dito algo sobre trocar as fechaduras comuns pelas digitais.
Tentei com a chave e...nada! Agora era apelar para o intercomunicador. Quando ia apertar o botão, a porta se abriu e dei de cara com o meu irmão! O porteiro tinha avisado da minha chegada!
Agora vou me dar ao luxo de ser sentimental ! Foi o abraço mais reconfortante que ganhei em toda minha vida .
Meu irmão era a única pessoa com a qual realmente me importava naquela família e, vê-lo foi uma alegria genuína!
- Cara...você voltou! Aonde estava Henrique? A mãe até pensou em colocar a polícia na tua cola. Você some, não dá notícias, o pai tá puto contigo!
- É uma longa história Yuri, mas estou de volta e preciso de ajuda!
Já estávamos na sala e foi somente aí que meu irmão foi olhar para mim direito. Olhos atentos fizeram um verdadeiro scaneamento de mim..podia ver a surpresa no rosto do meu irmão, mas ele não falou nada..não disse absolutamente nada e isso me deixou nervoso.
- Deve estar com fome né? Olha a Tiana fez um empadão de camarão que tá uma delícia. Vem..você curte o empadão..a gente come, tu sobe, toma um banho e depois a gente conversa beleza? Ah...e antes que eu me esqueça..vai ter que explicar o que aquela moto tá fazendo parada aí na frente.
Tinha me esquecido de como era bom estar em casa. Até então eu não dava valor a nada disso, o quanto mais longe estivesse, melhor. Mas ter passado aquele tempo no Mausoléum com Clara, tinha mudado a minha concepção sobre o que é ter, de fato, um lar. Na cozinha, comendo o tal do empadão (lembrem-se eu disse que ainda posso comer) olhando a Tiana lavar a louça, me senti bem..tão bem que até esqueci do que eu era..de quem eu era.
- Henrique – a voz da Tiana parecia com a daquelas coristas de filmes antigos..ela deveria se arriscar a cantar blues..iria fazer sucesso - “cê” tava onde menino? Fiquei preocupada, não ligou..não deu notícias, tava enroscado em alguma encrenca?
Tiana estava com a gente desde que eu nasci, tinha sido uma espécie de mãe para mim e para meu irmão. Como nossos pais nunca estavam em casa, o único carinho que recebemos sempre foi o dela. Eu adorava aquela mulher, era pra ela que sempre corria quando estava em apuros.
- Não..eu estive viajando Ti..não precisa ficar preocupada tá? Tô de volta são e salvo.
- Sei sei..tava em alguma 'acadimia”? Tá todo fortinho Henrique!
Eu “fortinho”??!! Onde? Sempre fui um “pau de virar tripas”.
-Verdade..- Yuri concordou – você tá todo marombado..andou tomando bomba? Ninguém cresce deste jeito em 3 meses – fala a verdade, o que andou aprontando?

Realmente aquilo era novidade pra mim..não tinha reparado em nada, estava apenas preocupado em como sobreviver, de quem me alimentar, nem espelhos tínhamos por perto e sempre fui desencanado com relação a aparência. Terminei com a torta, me levantei e declarei que iria tomar um banho, deixando para trás um irmão e uma empregada curiosos.  

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