São
Paulo, 25 de dezembro de 2010
Ainda bem
que vampiros despejados não tem muita coisa para carregar. Na
verdade eu não tinha nada mesmo..a não ser minha jaqueta. Tinha
deixado tudo para trás..minha casa, meus livros e, principalmente
meu irmão. Havia dias em que o pensamento no meu irmão vinha me
incomodando. Como ele estaria? Decidi procura-lo, talvez até pegar
algumas coisas minhas, meus pais, só para variar, deveriam estar
viajando, não haveria problema. O único problema seria explicar ao
Yuri que o irmão dele agora era um vampiro.
Não
daria para ir a pé até Alphaville, seria uma caminhada e tanto e
mesmo não me cansando, gastaria muito tempo. Pegar um ônibus?
Não..fora de cogitação, iria demorar do mesmo jeito. Um táxi
então? E pagar com o que? Eu não sabia o que era ter grana
mais...tinha até me esquecido que dinheiro era algo necessário,
mesmo para um vampiro. Naquele momento percebi que tinha levado, até
então, uma vida de sem teto, de mendigo..como um rato de beco me
alimentando apenas de sobras que ninguém mais queria. Não..não era
isso que eu queria para mim. Nunca me importei com dinheiro, nunca me
importei com status, mas também não levaria minha eternidade como
um João Ninguém.
Novamente
pelos lados da Praça da República e pensando em como chegar em
Alphaville, foi quando a vi ali..parada, linda! Setecentos e
cinquenta cilindradas de pura beleza! Porque não toma-la emprestada?
Como disse anteriormente, valores morais, ficam para trás quando se
tem uma eternidade pela frente.
Ok..pegar
a moto. Mas como? Eu não tinha a mínima ideia de como fazer aquilo,
nunca aprendi a técnica de ligação direta. Resolvi tentar..quem
sabe teria herdado algum “combo” de habilidades, nunca se sabe
não é mesmo? Tanta coisa louca tinha acontecido em tão pouco tempo
que não duvidava de mais nada.
Outro
ponto seria não chamar a atenção. Praça da República não é o
lugar mais tranquilo do mundo, ainda mais naquele horário. Me
aproximei da moto e fiquei ali..olhando..olhando..com cara de
cachorro que caiu do caminhão de mudança.
-Ei
cara..tá olhando o que? Perdeu alguma coisa por aqui? - Era um PM e
gelei (um pouco mais). Nunca tinha me dado muito bem com os tais
ratos fardados. Já tinha levado muito enquadro e levado nome de
vagabundo. Mas tinha uma arma mágica – O nome do meu pai! Isso..o
maldito nome e sobrenome do meu pai..isso resolveria tudo!!- Na verdade – empostei a voz, tentando demonstrar segurança – perdi sim senhor – olhei para placa de identificação procurando o nome do dito cujo – Marcelo – esse era o nome. Perdi a chave da minha moto e agora temo que meu pai tenha de acionar o seguro.
- Ah claro..todo mundo perde chave de moto hoje em dia. Deixa de ser mané garoto. Mão pra cabeça. - Otimo..la vinha mais um enquadro, ainda bem que não tinha me livrado da minha carteira com os documentos. Fiquei ali..a imagem da inocência e passividade. Ele revirou o bolso da jaqueta, possivelmente à procura de drogas, e encontrou a maldita carteira. Procurou os documentos e voilá....as portas se abriram. Estampado no meu RG estava minha filiação..o nome do meu pai em letras maiúsculas!
Engraçado
como o tratamento que recebemos varia de acordo com o status que
ostentamos. Sempre tive nojo disso, mas naquela hora aprendi que isso
vale ouro..muito mais que algumas notas de R$ 100,00. De um minuto
para outro o pitt bull fardado, transformou-se em um poodle. Todo
compreensão e civilidade.
- Me
desculpe Senhor Henrique, mas sabe como é..tem um monte de
ladrão de moto por aqui, só estava cumprindo minha obrigação
– estava todo sem jeito, temendo, por certo, perder o emprego
que lhe garantia uma existência de merda.- Não tem problema soldado, eu entendo e até fico aliviado em ver um policial cumprindo seu dever com tanta competência, agora, por favor, poderia ajudar-me a resolver meu problema? Tenho que chegar em casa logo, senão perco o jantar na casa do Embaixador da Rússia e meu pai ficaria desapontado comigo. - Ah..a ótima representação do boyzinho nada a ver!
- Claro, claro..é pra já – e o PM fez a tal ligação direta na moto – jurei pra mim mesmo que iria devolve-la. Até então..lesar as pessoas não era algo que fazia parte do meu caráter.
Rapidamente,
o motor da moto estava lá..roncando, eu acenando para o policial e
agradecendo pelo fato de morar no Brasil..país onde nome vale mais
do que documentos em determinados casos..ainda mais quando seu pai
controla uma boa parte dos negócios desta gente. Saí dando
gargalhadas, seria realmente muito fácil a partir do momento em que
eu tinha aprendido mais alguns truques. Fiquei orgulhoso da minha
performance e sequer me dei conta de que tinha dado mais um passo em
direção ao meu verdadeiro despertar.
Cheguei
rápido em Alphaville, mas agora era outra coisa. Parado defronte ao
pórtico do condomínio onde morei minha vida toda, bateu a
insegurança. E se o porteiro não me reconhecesse? E se meus pais
estivessem em casa? E se o Yuri não estivesse? Merda!!! Porque as
coisas não vinham com roteiro?
Bom..eu
não poderia ficar ali parado o resto da vida, tinha que arriscar.
Liguei a moto e me dirigi à portaria. Logo o funcionário veio saber
de quem se tratava e, para minha surpresa
- Boa
noite Henrique, faz tempo que não te vejo por aí..foi viajar?
Esqueci
de mencionar que sempre fui o queridinho dos porteiros, o cara rico e
gente boa, que os cumprimentava, levava lanche, dava presente de
Natal..a antítese dos idiotas de Alphaville que tratam funcionários
como lixo..com os malditos narizes sempre em pé..achando que são a
“oitava maravilha do mundo”.
- É..fui
viajar sim Marcos, cheguei hoje e estou louco pra tomar um
banho..- sorri meio amarelado, morrendo de medo que ele percebesse
minha palidez e roupas sujas.- Ah..deve estar louco mesmo pra chegar em casa né? Teus pais viajaram..só o Yuri está lá, olha..leva essa correspondência? O Yuri esqueceu de pegar da ultima vez..
Peguei as
cartas. Ele não tinha desconfiado de nada..então minha aparência
não tinha mudado muito. Na verdade eu nunca tinha reparado em como
havia ficado depois da transformação. Não tinha tido curiosidade
de me olhar no espelho e não tinha visto ainda o que acontecera
comigo.
Subi a
rampa que levava à minha casa. Meus pais sempre foram excêntricos
no que se relaciona à Arquitetura..e minha casa, longe das linhas
modernas, era uma réplica de uma mansão típica da Lousiana. Sempre
gostei daquela casa..toda pintada de branco..imponente, com vários
“chorões” plantados no quintal..só faltava mesmo o lago com
crocodilos. Tinha dado esse ideia para minha mãe mas ela apenas riu
de mim.
Certo..cheguei..mas
e agora? Entro..toco a campainha, chamo a empregada?
Vasculhando
o bolso da jaqueta, encontrei a minha chave. Será que ainda
funcionava? Lembrei que meu pai tinha dito algo sobre trocar as
fechaduras comuns pelas digitais.
Tentei
com a chave e...nada! Agora era apelar para o intercomunicador.
Quando ia apertar o botão, a porta se abriu e dei de cara com o meu
irmão! O porteiro tinha avisado da minha chegada!
Agora vou
me dar ao luxo de ser sentimental ! Foi o abraço mais reconfortante
que ganhei em toda minha vida .
Meu irmão
era a única pessoa com a qual realmente me importava naquela família
e, vê-lo foi uma alegria genuína!
- Cara...você
voltou! Aonde estava Henrique? A mãe até pensou em colocar a
polícia na tua cola. Você some, não dá notícias, o pai tá puto
contigo!- É uma longa história Yuri, mas estou de volta e preciso de ajuda!
Já
estávamos na sala e foi somente aí que meu irmão foi olhar para
mim direito. Olhos atentos fizeram um verdadeiro scaneamento de
mim..podia ver a surpresa no rosto do meu irmão, mas ele não falou
nada..não disse absolutamente nada e isso me deixou nervoso.
- Deve
estar com fome né? Olha a Tiana fez um empadão de camarão que
tá uma delícia. Vem..você curte o empadão..a gente come, tu
sobe, toma um banho e depois a gente conversa beleza? Ah...e antes
que eu me esqueça..vai ter que explicar o que aquela moto tá
fazendo parada aí na frente.
Tinha me
esquecido de como era bom estar em casa. Até então eu não dava
valor a nada disso, o quanto mais longe estivesse, melhor. Mas ter
passado aquele tempo no Mausoléum com Clara, tinha mudado a minha
concepção sobre o que é ter, de fato, um lar. Na cozinha, comendo
o tal do empadão (lembrem-se eu disse que ainda posso comer) olhando
a Tiana lavar a louça, me senti bem..tão bem que até esqueci do
que eu era..de quem eu era.
- Henrique
– a voz da Tiana parecia com a daquelas coristas de filmes
antigos..ela deveria se arriscar a cantar blues..iria fazer sucesso
- “cê” tava onde menino? Fiquei preocupada, não ligou..não
deu notícias, tava enroscado em alguma encrenca?
Tiana
estava com a gente desde que eu nasci, tinha sido uma espécie de mãe
para mim e para meu irmão. Como nossos pais nunca estavam em casa, o
único carinho que recebemos sempre foi o dela. Eu adorava aquela
mulher, era pra ela que sempre corria quando estava em apuros.
- Não..eu
estive viajando Ti..não precisa ficar preocupada tá? Tô de volta
são e salvo.- Sei sei..tava em alguma 'acadimia”? Tá todo fortinho Henrique!
Eu
“fortinho”??!! Onde? Sempre fui um “pau de virar tripas”.
-Verdade..-
Yuri concordou – você tá todo marombado..andou tomando bomba?
Ninguém cresce deste jeito em 3 meses – fala a verdade, o que
andou aprontando?
Realmente
aquilo era novidade pra mim..não tinha reparado em nada, estava
apenas preocupado em como sobreviver, de quem me alimentar, nem
espelhos tínhamos por perto e sempre fui desencanado com relação a
aparência. Terminei com a torta, me levantei e declarei que iria
tomar um banho, deixando para trás um irmão e uma empregada
curiosos.
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