São Paulo, 23 de
novembro de 2010
Depois
daquela noite com Clara, muitas coisas aconteceram na minha vida (ou
falta dela). Tive que fazer um intensivão para me tornar um vampiro
passável e, confesso não ter sido nada fácil. São muitos os
paradigmas que criamos enquanto mortais, são muitas as coisas que
temos de esquecer quando passamos para o “lado de cá”.
A
primeira coisa que tive de fazer, logo na noite seguinte, foi sair à
caça. Clara me explicou que sangue de animais não é uma boa fonte
de alimento e que eu não me parecia nenhum pouco com o Louis de
“Entrevista com o Vampiro”.
- Vamos
lá – ela disse – não é nenhum bicho de sete cabeças. As
pessoas tem uma atração especial por vampiros, principalmente em
alguns lugares específicos. Algumas chegam a nos procurar, caçam
uma oportunidade mesmo sem saber. Vou te levar a um lugar que você
irá amar, é como um gigantesco “Self Service”.
Clara
disse isso e saiu praticamente arrastando um cara confuso e com medo,
pelas ruas de São Paulo. Em um piscar de olhos estávamos na
Brigadeiro Luis Antonio, rumando para uma casa noturna que logo
identifiquei como sendo o Madame Satã. Entramos na fila e logo nos
misturamos com a multidão de seres pálidos, vestidos de preto.
Clara olhava para mim e divertia-se com a minha apreensão. Eu
ali..parado, sem saber o que fazer. Sentindo uma aflição cada vez
maior, uma dor (sim..vampiros, mesmo mortos sentem coisas que parecem
ser dor) no estômago, uma loucura se instalando em minha mente. Meus
sentidos captavam a vida ao meu redor, meus olhos se fixavam nas
jugulares escondidas entre golas altas, os sons à minha volta
pareciam cada vez mais altos, eu estava a ponto de surtar quando ela
cochichou em meu ouvido: - Calma..tenha somente um pouco mais de
paciência que tudo vai acabar bem.
Eu
assenti com um leve movimento de cabeça..não conseguiria esboçar
nenhuma outra reação, parecia estar saindo fora de mim..era uma
loucura e eu não queria pirar logo ali..logo naquele momento. Fixei
meu pensamento..me esforcei para parecer um cara normal, fingi
respirar fundo, forcei um sorriso e continuei na fila que logo andou.
Finalmente
estávamos lá dentro. O ambiente era propício e convidativo.
Penumbra, velas e o cheiro de sangue..doce e pungente, um absinto que
eu queria provar a todo custo, mas que, ao mesmo tempo me repugnava.
Como beber o sangue de alguém? O que eu era agora, um monstro sem
coração? Como matar, tirar uma vida inocente?
Clara
parecia ler meus pensamentos. Me puxou para um canto mais escuro e
com sua voz de sereia começou a me explicar – Você não
tem que matar..tem apenas que se alimentar. Eles – apontou para a
multidão – são apenas flores em seu grandioso jardim..você as
colhe se quiser, mas pode apenas sentir o seu aroma..alimentar-se se
sua beleza, não é necessário que arranque suas flores da terra,
pode usufrui-las apenas.
Dizendo
isso, Clara aproximou-se de um cara pálido, sorriu
para ele que, imediatamente, como se hipnotizado, a seguiu para um
outro local. Claro que fui atrás, mesmo porque já tinha sido picado
pelo ciúmes.
Fomos em
direção a pista de dança. Um local ainda mais escuro onde a galera
se divertia em dançar com a sombra. Alguns ousavam um pouco mais.
Apurando um pouco minha visão, pude ver alguns casais realmente se
divertindo. Se é que vocês me entendem....
Clara ali
com aquele estranho..seduzindo, prometendo..instigando e eu ali como
um pateta, apenas assistindo. Nunca levei jeito para o voyeurismo, nunca
foi a minha praia, mas não conseguia tirar os olhos da cena que se
desenrolava ante meus olhos. Ela se deixava beijar...as mãos daquele
cara passeando por aquele corpo que , até então, eu pensava que era
“meu”. Nessa hora até esqueci que estava lá para aprender a
caçar, eu queria mesmo era arrancar a cabeça daquele idiota. Não
conseguia pensar. A fome, o ciúmes, a insegurança..tudo
ali..misturado, me tirando do meu mundo e me jogando em um inferno
que não sabia como escapar.
Foi
quando eu vi o estranho cambalear..olhei novamente e vi Clara
sorrindo..um filete de sangue escorrendo pelo canto do seu lábio.
Juro que nunca vi nada mais sexy em minha vida. Ela parecia um
anjo..um anjo sinistro.
O rapaz
ficou cambaleando como bêbado por alguns segundos..depois sacudiu a
cabeça..olhou em volta, passou pela gente como se não nos
conhecesse e subiu as escadas.
Olhei
para Clara espantado e ela riu..não para mim..mas de mim. Devo ter
feito cara de idiota, porque ela estava se divertindo muito naquele
momento.
-Vem
cá..vou te explicar direitinho como fazer. Está vendo aquelas
gurias ali? - e apontou para três garotas, todas vestidas de preto,
com maquiagem pesada, uma visão inspiradora. Feche os olhos por um
segundo, sinta a essência de cada uma delas – Isso – você está
indo bem. Sentiu o pulsar do coração? Sentiu o cheiro do sangue?
Então..qual delas lhe pareceu mais apetitosa? - Eu apontei para uma
ruiva, todo sem jeito porque não sabia o que teria que fazer. Clara
com jeito de professora de jardim da infância, toda paciência,
continuou a me explicar.
- Assim que você escolhe qual “prato” prefere. É só
aproximar-se. Exercemos sobre nossa caça, uma atração animal.
Aos olhos deles parecemos lindos, fortes, irresistíveis. É o mesmo
tipo de atração que as cobras exercem sobre suas vítimas. Os
mortais ficam como que hipnotizados ante a aproximação de um
vampiro. Duvida? Vá até lá e experimente.
- Certo..vou
até lá..a garota vai ficar hipnotizada mas e depois o que eu
faço? Peço licença para morder o pescoço? Pergunto se ela tem
catchup e mostarda para me emprestar? Clara tenha dó..eu nunca
fiz isso entende? Para mim é um absurdo morder um pescoço..me
alimentar de uma pessoa assim..não tem um jeito mais fácil?
- Não..não
tem, a não ser que você queira virar um assaltante de banco de
sangue e tornar-se uma simples larva, rastejando por aí e negando
sua natureza, desperdiçando o presente que lhe dei. Clara virou
as costas para mim e me lembrei de como as mulheres podem ser
temperamentais.
- Ok,
tudo bem..continue me explicando o que fazer. Vou até lá, e faço
o que?
Ela
suspirou como que resignada e continuou com sua aula – Certo..vá
até lá..jogue todo o seu charme em cima da garota. Faça com que
ela te siga para algum lugar e se divirta um pouco. Verá que é
muito interessante ter alguém sob seu controle. Eles reagem ao
mínimo toque. Faça com que ela implore..faça com que se derreta
aos seus pés. Exerça seu poder. É para isso que nascemos. Depois,
quando quiser, deixe que a natureza siga o seu curso, só se preocupe
em parar antes que ela morra..não pegue muito sangue..só o
suficiente. Na primeira vez é difícil porque não temos vontade de
parar, mas ao menos que queira sair por aí escondendo cadáveres é
bom prestar atenção na quantidade. Isso é um outro ponto que
precisa aprender: Escolha sempre os melhores exemplares, eles tem o
melhor sangue, então não precisa mata-los. Uma quantidade normal já
será o suficiente.
Dizendo
isso Clara não me deu tempo para mais nada, me deu um empurrão e
logo me vi indo em direção ao grupo de garotas.
Eu nunca
levei muito jeito para Don Juan, sempre fui o Nerd de que todas
gostavam e jogavam para a friend zone, como iria hipnotizar uma
mulher? Fui pensando nisso e estaquei perto das mulheres. Um
turbilhão pareceu me atingir naquele instante. O cheiro do sangue,
doce, metálico, invadiu meus sentidos. Eu não era mais eu..tinha me
transformado, não sei o que era, mas era bom. Olhei para a ruiva e
ela sorriu pra mim. Dentes claros, uma boca carnuda..a pele pálida,
a maquiagem forte..e o cheiro..cheiro de sangue, perfume..aroma de
mulher.
Não sei
bem explicar o que fiz..mas em um segundo a ruiva estava lá...pronta
para mim. Olhei para as amigas que evidentemente, estavam com
inveja.Uau..tinha virado um Jonhy Deep e nem sabia! Passei meu braço
em torno da cintura da guria e a levei para o canto mais escuro da
pista. Era meu “debut” e eu merecia um pouco de privacidade
afinal de contas. Levado pelo instinto, eu a beijei..seus lábios
eram convidativos..mornos, doces..fiquei ali brincando com minha
presa, ouvindo seus gemidos. Era divertido ver toda aquela entrega.
Ainda mais para mim que nunca tinha sentido tal poder antes. Em dado
momento olhei por cima dos ombros da ruiva e deparei com o olhar de
Clara. Vi uma ponta de ciúmes? Ah..agora então eu iria a forra pelo
que ela me fez passar com aquele gótico babaca. Intensifiquei minha
performance..lembrei de todos os filmes de vampiro que tinha visto
até então e, naquela momento, fui o vampiro dos vampiros. Gostei de
ver a pele da garota se arrepiando ao meu toque,sua pulsação se
acelerando..o sangue correndo mais rápido por suas veias, a medida
em que ela ficava entregue às minhas mãos. Por prazer a seduzi, com
prazer minha língua passeou pelo seu pescoço, meus dentes
mordiscaram o lóbulo de sua orelha. Com sadismo eu sussurrei em seu
ouvido o quanto ela era linda..o quanto era desejável e o que eu
gostaria de fazer se não estivessemos em público. Senti o aroma do
seu corpo se intensificando..e então meus dentes apontaram..um véu
vermelho turvou meu raciocínio e, de repente, meus caninos cravaram
naquele pescoço. O cheiro do sangue misturado ao Dolce & Gabbana
que ela usava, me levou às alturas..e eu me lambuzei naquele doce
instante. Senti o néctar descendo pela minha garganta, nunca estive
tão vivo, nunca fui tão poderoso, nunca me senti tão bem. Com
muito custo consegui me lembrar do conselho de Clara – Parar antes
de matar. A ruiva gemia docemente em meus braços e eu não queria
que ela esquecesse do que tinha acontecido. Queria que ela se
lembrasse e de mim ao se deitar em sua cama naquela noite. Não..ela
não iria me esquecer. Eu tinha direito àquele poder e iria
exercê-lo. Sussurrei então em seu ouvido: - Você vai esquecer da
mordida, mas não vai esquecer de mim, irá sonhar comigo todas as
noites e irá me chamar em pensamento. Fiz um leve carinho em seu
rosto e a soltei.
Ela
cambaleou como o rapaz tinha feito anteriormente com a Clara. Parecia
bêbada, mas não inconsciente. Por um minuto olhou para mim e
sorriu, eu dei uma piscada e sorri de volta. Ela então subiu as
escadas e tive a certeza de que, na cabecinha oca da ruivinha, minha
presença se tornaria uma constante.
Vitorioso
e alimentado, me dirigi até o lugar onde Clara estava me esperando.
Sorri ao me aproximar e só então percebi que tinha “cutucado a
onça com a vara bem curta”
- Precisava
ter demorado tanto? Pelo visto aprendeu bem depressa não é? -
Clara estava mordida e isso me alegrou.
- Calma, se tive tanto sucesso é porque você é uma excelente
professora – não podia perder a oportunidade de cutuca-la. É
impressão minha ou você está com ciumes?
- Ciúmes
eu? - Ela se mostrou ofendida – Porque eu teria ciúmes de você?
Eu apenas criei você e mais nada, você é livre para fazer o que
bem entender e com quem quiser.
Começei
a gargalhar...estava feliz, imensamente feliz, como nunca estive
antes. Era um vampiro, era fabuloso e ela..a mulher que eu sempre
quis estava ali, com ciúmes de mim.
Dei dois
passos e a agarrei pela cintura, fazendo com que se voltasse e então
a beijei. Naquele beijo estavam todas as promessas, todas as dúvidas,
as incertezas, os “ontem” e os “amanhãs”.
- Boba,
você quis que eu me alimentasse e assim foi..nada mais do que isso,
onde está sua segurança minha vampira? Não vê que sempre foi e
sempre será você a mulher das minhas noites? Minha criadora, minha
professora, sempre minha..minha Clara.
Ela então
me abraçou e com a doçura de uma criança, pediu-me desculpas..para
logo em seguida dar-me uma violenta mordida no ombro.
- Nunca
mais..está ouvindo nunca mais demonstre mais prazer com outra
mulher do que comigo.
Clara era
assim..doce, amarga, cítrica..uma eterna bomba-relógio, uma bomba
que eu adorava ter ao lado.
Naquela
noite dormimos abraçados...como se não fosse haver um outro amanhã.
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