São
Paulo, 14 de dezembro de 2014
Pensei muito antes de começar a escrever. Um vácuo de
tempo espaço. Um vórtice não administrável. Muitas vezes penso
que fui tragado para um não momento qualquer onde somente o nada
existe a não ser a lembrança bem clara e física da presença de
Alexia em minha vida.
No dia em que a conheci, deveria ter virado as costas e
ido para o mais longe possível, deveria saber que a esmola era
demais para esse projeto de santo. Mas não...eu tinha que ir não é
mesmo? Afinal de contas achava que tinha todos os direitos, que era o
fodão, o pica das galáxias e que era natural chover na minha horta.
Devo ter ficado mais de uma semana com aquele cartão
queimando no bolso da minha jaqueta. Pensei em perguntar aos mais
antigos se alguém a conhecia, talvez o Mauricio soubesse quem era
Alexia mas o medo juvenil de demonstrar interesse e pagar mico
fizeram com que eu permanecesse calado. Aqui vai um parênteses e um
conselho: Se você for um vampiro jovem, achando-se o ultimo bis da
caixa, saiba que este mundo não é como o dos humanos. Um passo em
falso e você caí em armadilhas..uma palavra mal dita e você ganha
um imenso alvo na testa. Sentimentos nesse nosso mundo são elevados
a enésima potência e creia-me amigo, nunca são os bons impulsos.
Sadismo,hipocrisia e crueldade são a tônica do mundo vampirico. Não
espere encontrar nenhuma Madre Teresa entre nós. Faremos tudo por
você..apenas para que cresça e possamos devora-lo depois.
Dito isso, voltemos ao tempo em que estive com Alexia.
Foi numa sexta-feira que finalmente tomei coragem para procura-la.
Avisei meu irmão que estava indo viajar e ele, displiscentemente,
não deu a mínima. Estava em outra vibe e isso percebi bem. Saí
meio chateado, já não era o irmão mais velho e necessário. Ele
crescera e muito rápido, rápido até demais.
O endereço apontava para um condomìnio fechado
fora da Capital; em Santana do Parnaíba para ser mais exato. Local
de casas imensas e cabeças pequenas. Desculpem-me mas sou um crítico
contumaz da humanidade. Talvez por ter uma visão mais acurada vejo o
que vocês não percebem e sei o quão vazia e imprestável é a
grande maioria de vocês. Com meu salvo conduto que consistia em
moto do ano, roupa de grife e brancura da pele, não foi dificil
entrar no dito condominio. Pude perder um tempinho apreciando a
arquitetura das casas. Todas imensas, como cartões de visita do
poder aquisitivo de seus donos. Carros importados parados na calçada,
todos limpos, higienizados, perfeitas vitrines espelhando os donos.
Poderia discorrer longamente sobre a psicologia de casas e carros e
talvez faça isso em outra oportunidade..mas agora preciso focar-me
nos dias que foram anos.
A casa de Alexia ficava no alto..uma construção
imponente que parece ter sido tirada de um filme vitoriano. Alguns
vampiros tem o costume de tentar imortalizar épocas em que mais se
sentiram bem consigo mesmos..daí vemos algumas casas que mais
parecem museus. Ao ver alguma assim..pode ser que você esteja bem
próximo de encontrar um sanguessuga e nem sabe. As paredes pintadas
de branco evidenciavam as grandes portas e janelas..tudo muito amplo.
A residencia parecia flutuar em um imenso jardim, onde begônias e
palmeiras faziam belo contraste com laguinhos e fontes. De fato uma
obra de arte arquitetônica. A vampira deveria ser muito rica, pensei
ao tocar a campainha que, destoando do resto, era estremamente
tecnológica. Ao olhar para a porta fiz várias caretas já que,
sabia, estava sendo filmado , registrado e catalogado. Devo até ter
ganho uma etiqueta sem saber..minha foto arquivada em algum lugar de
computador. Logo vieram me atender e eu que já estava preparado para
encontrar o mordomo da família Adams, tomei um baita susto. Alexia
havia inovado no conceito de recepção. Fui atendido por um ser de
beleza angelical, muito distante de minha concepção de mordomos.
Demorei alguns segundos para pegar meu queixo no chão. O tal mordomo
realmente parecia um anjo saído dos quadros de Caravaggio e olha que
não sou de prestar atenção em espécimes masculinos mas aquele era
digno de nota. Os cabelos compridos e loiros caiam em cascata pelos
ombros,a pela translúcida porém saudável e um ar andrógeno
compunham a figura. Não falou uma palavra, apenas indicou com gestos
que eu deveria segui-lo. Devo ter subido e descido uma centena de
escadas, entrado e saído de milhões de corrredores e, àquela
altura, deveria ter sacado que algo não estava dentro do padrão de
normalidade,mas estava tão encantado com tudo que nem reparei no
labirinto por onde andava. Quadros dos mais variados e renomados
artistas enfeitavam as paredes, vasos chineses, estátuas
sumérias..um lindo quadro de Lilith..tudo arranjado com maestria..e
um perfume que inundava os sentidos deixando uma sensação de
letargia. Por fim chegamos ao local onde ela me esperava. Um imenso
jardim. Uma profusão de flores e plantas, passaros raros voando
livres. Me senti no Eden. Estaria no paraíso? Como conseguiram criar
tal ambiente? Eram muitas perguntas se formando na minha cabeça e
todas elas se perderam quando a vi ali de pé à minha frente. Como
descrever o indescrítivel? A mesma beleza de antes só que
potencializada pelo ambiente. Perdi mesmo a fala, devo ter soado
ridículo com minha cara de embasbacado pois ela sorriu..sem nenhum
artificio. Não fazia questão de esconder quem era: os caninos
mostraram-se em sua plenitude e os olhos vermelhos luziam ao olhar
para mim. Deveria ter corrido..deveria ter desaparecido em uma nuvem
de fumaça..deveria ter pedido socorro..gritado pelo Chapolin,
Batman..mas não..fiquei ali..parado feito uma tábua...enquanto a
predadora vinha em minha direção.
O que aconteceu depois ainda preciso
organizar em minhas memórias, tudo está nublado..ainda muito
estranho. Sei apenas que tudo aconteceu ontem mas já fazem 3 anos.